domingo, 22 de abril de 2012

Metáfora de uma amizade.



Era uma vez um passarinho. Ou melhor, uma passarinha. Desde o seu nascimento, ela foi criada numa gaiola por uma garota muito dócil e que a amava de verdade.
Essa garota deu a ela o nome de Ludi.
Ludi sempre foi muito amada e bem cuidada. Recebia comida e àgua fresca sempre que precisava, carinho e horas infindáveis de "diálogos" com sua dona. Tudo sempre de dentro da gaiola.
A garota sempre contava pra Ludi sobre a vida dos humanos. Sobre sua correria do dia-a-dia, seus estudos, sua família, suas doenças, seus passeios, seus aborrecimentos, tudo! Ludi ficava maravilhada ouvindo todas aquelas coisas, mas sabia que seu lugar não era entre os humanos, mas sim, ali, com a garota que tanto amava e cuidava. Dentro da gaiola.
A passarinha se achava especial, única. Achava que não existia mais nenhum outro como ela. Achava que o paraíso era dentro do conforto de sua linda gaiola cor-de-rosa.
Mas no fundo Ludi sabia que havia algo errado. Para quê ela tinha asas, afinal?  A função delas não era fazê-la voar, como ja havia experimentado em seus poucos centímetros de espaço? Se nunca precisaria delas, se o mundo inteiro era tão pequeno, pra quê asas? Essas dúvidas duravam apenas o pouco tempo em que Ludi ficava sozinha. Logo que a garota chegava, com todo seu amor e cheia de coisas pra contar, a passarinha esquecia tudo isso e era feliz novamente.
Um dia porém, sua dona abriu a gaiola para limpar e esqueceu-se de fechá-la, pois estava apressada. A passarinha, apenas por curiosidade, resolveu sair e olhar a casa de sua dona. Primeiro foi andando, devagar, cautelosa e olhando para todos os lados. Via aqueles grandes móveis, o piso gelado e grande, todas aquelas cores... Fazia ruídos para que a garota saísse de onde quer que estivesse e fosse buscá-la para colocá-la de volta em sua gaiola, pois o medo já havia se apoderado dela, a esta altura. Como não obtinha resultados, resolveu voar. E talvez esse tenha sido o maior erro. Ou acerto.
Quando Ludi levantou voo, pouco mais que um metro do chão, ja em direção à sua gaiola, ela olhou para trás. E viu. Uma janela. E pássaros. Ela não sabia exatamente o que fazer. Ficou em estado de choque, completamente assustada.
Foi se dirigindo à janela, e saiu.
Sentiu toda aquela brisa suave, viu todas aquelas cores naturais, aquele verde tão brilhante das árvores. Ela não sabia o que era tudo aquilo. Nunca tinha visto nada na vida além da sua gaiola, da cama de sua dona, do seu móvel cheio de gavetas, e a poucos instantes, alguns outros móveis da sala, os quais ela também não identificara.
Encantada e desesperada demais para qualquer ação, ela se deixou escorregar pelo galho de uma das árvores e ficou ali chorando por horas.
Ludi se sentia enganada, traída, sozinha, sem esperanças e sem consolo. E chorou. Chorou até não ter mais lágrimas para isso.
Começou então a voar sem destino e acabou encontrando um ninho. Achou confortável e adormeceu por ali. Acordou com vários outros passarinhos ao seu redor, brincando e emitindo sons completamente familiares para ela.
Eles não perguntaram de onde ela veio, porque estava invadindo o espaço deles, ou foram hostis com ela. Pelo contrário; acolheram-na como se ela sempre fosse parte do grupo.

Ludi vai ser grata pra sempre à sua antiga dona. A sua dona que a amou mesmo, com todas as forças que podia, e nunca a tratou mal; mas foi falha, como todo ser humano é, enganando-a por tanto tempo, e querendo-a numa condição de propriedade particular que estava errada.
No fundo do coração, Ludi sempre vai guardar a mágoa por nunca ter descoberto a verdade através da pessoa que ela mais amava no mundo; mas a passarinha tem um bom coração, e já perdoou aquela garota, que imaturamente, acabou fazendo por merecer, perder alguém que a amava com todas as forças, e que nunca mais vai amar assim, e que nunca será substituída por ninguém.